A expressão "O ciborgue educativo é a figura que resolve a controvérsia: a autoria não é propriedade, mas processo coletivo e relacional" encapsula uma transformação paradigmática fundamental na compreensão contemporânea dos processos educativos e da produção de conhecimento. Esta afirmação desafia as conceções tradicionais de autoria individual e propriedade intelectual, propondo uma visão mais fluida e colaborativa da criação de saberes no contexto educacional.
O conceito de ciborgue educativo emerge da intersecção entre as teorias pós-humanistas e as práticas pedagógicas mediadas por tecnologias digitais [1]. Conforme argumenta Haraway (2000), o ciborgue representa uma figura híbrida que transcende as dicotomias tradicionais entre humano e máquina, natureza e cultura, questionando as fronteiras estabelecidas da identidade e da agência [2]. No contexto educacional, esta figura assume particular relevância ao desafiar as estruturas hierárquicas e individualizadas do conhecimento.
Sobre a construção de identidades através da escrita em weblogs, Brazão (2008) evidencia que as tecnologias digitais facilitam formas colaborativas de produção textual e construção de significados [3]. Esta perspetiva alinha-se com as teorias da aprendizagem situada, que enfatizam a natureza social e contextual dos processos de conhecimento [4].
A controvérsia mencionada na expressão refere-se ao conflito entre paradigmas educacionais: de um lado, o modelo tradicional que privilegia a autoria individual e a propriedade intelectual como fundamentos da produção académica; do outro, uma abordagem emergente que reconhece a natureza intrinsecamente colaborativa e distribuída do conhecimento. O ciborgue educativo surge como mediador desta tensão, oferecendo uma terceira via que não nega a individualidade, mas a recontextualiza dentro de redes relacionais mais amplas.
As tecnologias digitais na educação, conforme observado por Costa e Andrade (2022), propiciam o surgimento de subjetividades ciborgues que desafiam as conceções tradicionais de aprendizagem e autoria [5]. Estas subjetividades caracterizam-se pela hibridização entre capacidades humanas e potencialidades tecnológicas, criando novos modos de ser e conhecer que transcendem as limitações individuais.
A dimensão relacional da autoria ciborgue manifesta-se através de práticas pedagógicas que privilegiam a colaboração, a co-criação e a partilha de conhecimentos. Martins e Viana (2019) propõem uma visão de linguagem ciborgue e coletiva que reconhece a natureza distribuída dos processos comunicativos e de significação [6]. Esta perspetiva desafia a noção romântica do autor solitário, substituindo-a por uma compreensão mais complexa e realista dos processos criativos.
O processo coletivo de autoria no contexto ciborgue não implica a dissolução da responsabilidade individual, mas sim a sua reconfiguração dentro de ecossistemas colaborativos. Garoian e Gaudelius (2001) conceptualizam pedagogias ciborgues que promovem formas de resistência e criatividade que emergem da intersecção entre humanos e tecnologias [7]. Estas pedagogias caracterizam-se pela flexibilidade, adaptabilidade e capacidade de resposta às necessidades emergentes dos contextos educativos.
A resolução da controvérsia através da figura do ciborgue educativo sugere uma síntese dialética que preserva os aspetos valiosos tanto da tradição quanto da inovação. Esta síntese manifesta-se em práticas educativas que valorizam simultaneamente a expertise individual e a inteligência coletiva, a criatividade pessoal e a colaboração social, a autonomia e a interdependência.
Em conclusão, o ciborgue educativo representa uma figura conceitual poderosa para repensar os fundamentos da educação contemporânea. Ao propor a autoria como processo coletivo e relacional, esta perspetiva abre caminhos para práticas pedagógicas mais inclusivas, colaborativas e adaptadas às realidades do século XXI. A superação da controvérsia entre propriedade individual e criação coletiva não se dá através da negação de uma em favor da outra, mas pela construção de sínteses criativas que honram tanto a singularidade quanto a relacionalidade dos processos educativos.
Referências
[1] Haraway, D. (2000). Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In T. T. Silva (Org.), Antropologia do ciborgue: As vertigens do pós-humano (pp. 37-129). Autêntica. https://www.redalyc.org/journal/4030/403066700003/html/
[2] Oliveira, X. V. (2024). O Bárbaro, o Selvagem e o Ciborgue: Sobre a Possibilidade de uma Escola de Ciborgues Livres [Tese de doutoramento]. https://search.proquest.com/openview/44319df31cf230586ef58100eccbdc0f/1
[3] Brazão, J. P. G. (2008). Weblogs, aprendizagem e cultura da escola: Um estudo etnográfico numa sala do 1º ciclo do Ensino Básico [Tese de doutoramento]. Universidade da Madeira. https://www.academia.edu/download/62685445/Brazao_2008_Weblog_e_identidade__uma_experiencia_no_1_Ciclo20200401-79621-6c96c1.pdf
[4] Brazão, J. P. G. (2016). Aprendizagem situada na formação inicial de professores: Um estudo. In Didática e matemática (pp. 1-15). CIE-UMa. https://www.academia.edu/download/62816328/Brazao_P_2016_Aprendizagem_sit_na_form_ini_prof20200404-84592-17x1k3t.pdf
[5] Costa, J. R. S., & Andrade, V. T. A. (2022). Tecnologias digitais na educação e BNCC: Proposta do Aluno-Ciborgue-Hacker. Olhar de Professor, 25, 1-25. https://revistas.uepg.br/index.php/olhardeprofessor/article/view/20526
[6] Martins, E. E. B., & Viana, R. F. (2019). Por uma visão de linguagem ciborgue e coletiva. Trabalhos em Linguística Aplicada, 58(3), 1118-1142. https://www.scielo.br/j/tla/a/QmPjMxDh9WqvMMZTcbxzfzz/
[7] Garoian, C. R., & Gaudelius, Y. M. (2001). Cyborg pedagogy: Performing resistance in the digital age. Studies in Art Education, 42(4), 333-347. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00393541.2001.11651708